segunda-feira, janeiro 23, 2012

Era um homem tão passivo que permanecia imóvel mesmo quando alguém o empurrava.

domingo, maio 16, 2010

Ronnie James Dio
(1942-2010)

quinta-feira, abril 15, 2010

Peter Steele
(1962-2010)

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Ela lê todas as minhas intenções, adivinha os meus gestos, detecta todas as minhas manobras, anula as minhas estratégias, antecipa as minhas reacções, aponta todas as minhas falhas. E eu não tento esconder nada, sou eu próprio a denunciar-me e a mostrar-me como sou.

domingo, fevereiro 14, 2010

Jogo de S. Valentim

Estou num jogo que não domino e que ela conhece desde há muito. Ela mostra-me as cartas que segura na mão: tem todos os trunfos. As opções: abandonar o jogo com a dignidade possível ou sujeitar-me à humilhação da derrota. Nem seria eu próprio se não escolhesse a segunda.

domingo, janeiro 24, 2010

O Senhor R

«O Senhor Valéry era pequenino, mas dava muitos saltos. Ele explicava: Sou igual às pessoas altas só que por menos tempo.»

Gonçalo M. Tavares


O Senhor R, pelo contrário, era bastante alto. Tão alto que se tornava difícil para ele manter-se em contacto com o mundo, o que o levava a estar sempre demasiado absorvido em si próprio, nos seus próprios pensamentos. Nos momentos em que se apercebia do seu alheamento, o Senhor R sentia não estar a usufruir das coisas que o mundo tem para oferecer, o que o levava frequentemente a cair em estados de tristeza que geralmente duravam longos períodos de tempo, durante os quais se resignava com a ideia de que nunca iria conseguir aproximar-se do mundo.
Um dia, o Senhor R observou os pequenos movimentos alternadamente ascendentes e descendentes do Senhor Valéry e interessou-se pela solução que este seu amigo idealizou para resolver o seu problema, pensando imediatamente que poderia estar perante a resposta para o seu próprio problema. Mais animado, o Senhor R experimentou saltar, exactamente como o Senhor Valéry; mas isso só o fez afastar-se ainda mais das coisas concretas.
– Nem poderia ter sido outro o resultado, – concluiu imediatamente o Senhor R, – dado serem problemas exactamente inversos.
Então o Senhor R pensou num salto ao contrário, ou seja, um salto para baixo, na direcção oposta aos saltos do Senhor Valéry; um salto que o colocasse perto das coisas concretas, mesmo que fosse apenas temporariamente. Mas um novo problema surgia: enquanto o salto para cima era facilmente concretizável a partir de um impulso apoiado no que está em baixo, algo sólido, como o chão, o salto para baixo parecia impraticável pois implicaria um impulso apoiado no que está em cima, ou seja, no ar. E o ar não tem a solidez necessária para isso, como descobriu o Senhor R enquanto procurava no ar uma zona de apoio que lhe permitisse apoiar o impulso para saltar para baixo.
Frustrado, o Senhor R começava a entrar novamente no seu habitual estado de tristeza. Até que, cansado, deixou-se cair. E, sem querer, conseguiu alcançar o seu objectivo de se aproximar do mundo.
Agora, prostrado no chão, poderia ficar satisfeito por finalmente ter conseguido o que ansiava há tanto tempo. Mas deixar-se cair não é um salto, é uma queda. E uma queda não é uma coisa temporária como um salto, mas definitiva. E o chão não é o mundo, é apenas o chão do mundo.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Um desperdício de matéria numa vida fracassada...

domingo, outubro 18, 2009

Já devias saber (2)

O 1 é sempre o número mais solitário.

sábado, setembro 19, 2009

A forma como ela finge que não sabe o meu nome.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Já devias saber

Não se joga com o coração, joga-se com estratégia.

quarta-feira, setembro 16, 2009

Lembrete

Não hesitar em começar pelo Plano B.
Como se eliminando o sintoma a doença desaparecesse.
Se celebras sozinho talvez não seja uma vitória.
Toda a gente aspira a aprisionar o coração de alguém.
Não se consegue vencer um fantasma. Podes fugir, esconder-te num sítio onde não te encontre. Mas nunca vencê-lo.

domingo, julho 19, 2009

Esperar para te ver é também recear não te voltar a ver.

quarta-feira, julho 15, 2009

A angústia da interrogação (2)

Se batermos à porta de uma vidente será que ela vai perguntar quem é?

domingo, julho 12, 2009

A angústia da interrogação (1)

Se um cão comer azeitonas será que cospe os caroços?

sexta-feira, julho 10, 2009

À terça-feira à tarde no shopping há bandos de miúdos de mochila às costas que faltam às aulas sem os pais saberem para comer gomas e gelados e subir as escadas rolantes ao contrário e há estudantes que vão para o andar de cima e se sentam na zona de restauração com cadernos, livros e volumes de fotocópias com toda a matéria para os exames que vão folheando no intervalo das águas sem gás, dos refrigerantes light, das bolachas sem açúcar, das sandes saudáveis, dos cafés com adoçante, dos pingos clarinhos, das tostas mistas, dos pastéis, das cervejas frescas, dos olhares fingidamente desinteressados, das janelas de conversação online nos portáteis com wireless, dos cigarros na zona reservada para fumadores, das trocas de contactos. Isto é na zona de restauração no andar de cima do shopping à terça-feira à tarde. No andar de baixo do shopping à terça-feira à tarde há velhos que se sentam nos confortáveis sofás de todas as cores e dormem descansadinhos como se estivessem nos sofás de casa dos filhos ao Domingo à tarde para passar o tempo até chegar a hora de voltar para o lar sob o olhar condescendente dos seguranças de auricular que começam a perder a paciência com os miúdos de mochila às costas que sobem as escadas rolantes ao contrário. De manhã dormem no lar. À tarde dormem nos sofás do shopping porque não querem ficar fechados o dia todo no lar e para ir para o parque está demasiado frio mesmo que seja Verão. Isto os velhos. As velhas não. As velhas já não saem do lar a não ser ao Domingo à tarde quando os filhos vão buscá-las para as porem a dormir no sofá lá de casa em frente à televisão ligada onde passam filmes com animais que falam, filmes com histórias de amor entre rapazes frustrados e meninas com baixa auto-estima, concursos que alternam com os mais diversificados números de artistas de variedades, programas para toda a família ou para a parte da família que adormece em frente à televisão ao Domingo à tarde. Mas os velhos, esses não ficam no lar à terça-feira à tarde e vão para o shopping onde dormem nos sofás do andar de baixo enquanto as meninas das lojas que trabalham a contrato de seis meses pelo salário mínimo e sem descontos para a segurança social conversam umas com as outras à porta das lojas e por vezes também com os seguranças de auricular porque à terça-feira à tarde no shopping há poucos clientes e é por essa razão também que os seguranças de auricular deixam os velhos dormir nos sofás. E as meninas das lojas conversam conversam conversam enquanto esperam pelo fim do contrato de trabalho para irem trabalhar para a loja do lado nas mesmas condições.

Ao Sábado à tarde no shopping há binas e toninhos que vêm de longe para passearem em casal como antigamente os seus progenitores vinham de longe para passearem ao Sol nos parques e nos jardins da cidade. As binas entram em todas as lojas de roupa e as meninas das lojas não têm mãos a medir (abençoadas tardes de terça-feira) para mostrar os diversos produtos, para procurar tamanhos diferentes, para procurar cores diferentes, para desempacotar modelos diferentes, para aconselhar, para dizer que sim, que fica bem, para arrumar os produtos desarrumados, para registar compras, para emitir talões, para dar trocos, para informar sobre trocas e garantias, enquanto os toninhos esperam por elas em frente às lojas encostados ao corrimão de braços cruzados aborrecidos e a bocejar. As binas saem das lojas com sacos de plástico, sacos de papel, embrulhos identificados com os nomes das lojas cheios de produtos comprados em saldos e em promoção que agarram juntamente com os carrinhos de bebé e as mãos das crianças arrastadas aos gritos e a tentar fugir das mãos que as tentam agarrar, a pedir prendas, a pedir brinquedos, a pedir para ir embora, a queixarem-se de dores de barriga, a dizer que querem ir ao WC, a chorar até ao momento em que se ouve o barulho de uma bofetada seguida do regresso tranquilo a casa.

Ao Domingo à noite no shopping há grupos de raparigas universitárias vestidas como personagens de programas de TV juvenis de fim de tarde exibindo sorrisos claros e brilhantes a contrastar com o tom bronzeado e brilhante da pele, sorrisos copiados das revistas, sorrisos aprendidos, sorrisos formatados, sorrisos contidos, sem exageros, como convém exibir, dir-se-ia mesmo sorrisos paralisados, com porções bem calculadas de simpatia, arrogância e auto-confiança, para impressionar grupos de rapazes universitários e outros que não são universitários, mas isso não importa, ao Domingo à noite no shopping é tudo igual, tudo gente de bem, tudo gente in, gente bonita, vestida de acordo com a norma, gente superior às binas e toninhos (estamos a falar de gente de outra casta!) de Sábado à tarde e que nem sequer se lembram dos velhos de terça à tarde e das velhas que já não saem dos lares a não ser aos Domingos à tarde quando vão dormir para o sofá de casa dos filhos, como se eles não existissem. Eles existem mas era melhor que não existissem (excepto se não pensarmos neles. Se não pensarmos neles eles não existem mesmo, desaparecem). Gente que vai ao shopping ao Domingo à noite porque assim não se cruza com essa outra gente que frequenta o shopping noutros dias da semana a outros horários, gente que vai ao cinema do shopping para manter uma vida cultural de elevado nível que consiste em ver o último filme altamente aconselhado pelas revistas de entretenimento e de pseudo-informação (revistas que falam de gente semelhante a eles) enquanto comem pipocas porque podem comer pipocas sem engordar graças às três aulas semanais no ginásio e às duas sessões no centro de estética e às consultas mensais de nutricionismo, enfim, gente que é feita de outra matéria uma matéria que não envelhece que se conserva sempre jovem e atraente.

quarta-feira, julho 08, 2009

Quem cala consente… ou então teme.
Escolher entre a pessoa que amas a pessoa que te ama é escolher entre caminhos diferentes.

sábado, julho 04, 2009

Inquérito de satisfação

No dia seguinte ela enviava sempre mensagens a perguntar se eu tinha gostado da noite anterior. Fazia-me sentir como se estivesse a responder a um inquérito de satisfação relativo a um serviço prestado.
Encontrar o Amor pode implicar teres que desistir da pessoa que amas.

O mesmo para ser feliz: pode implicar teres que abdicar da ilusão de felicidade, da própria sensação de felicidade.
Há diversos caminhos. Escolhes um. Não sabes se será esse o melhor caminho para ti, mas é esse o que tu escolhes. E vais. Mas, a certa altura, percebes que escolheste o caminho errado. Não era este o caminho que devias ter escolhido. A solução que logo te ocorre é, obviamente, voltar para trás, para o ponto de partida, e escolher um dos outros caminhos que continuam abertos. Mas estás cansada, este caminho desgastou-te, e não sabes se tens forças para fazeres o trajecto de volta. Além disso, passaram anos, décadas, desde que partiste, e perdeste todo esse tempo no caminho errado. Tempo que nunca conseguirás recuperar. Não sabes sequer se o tempo de vida que agora te resta é suficiente para recomeçar. É claro que podes sempre convencer-te a ti própria de que este é que é o teu caminho e optar por prossegui-lo até ao fim. Mas sabes que irás ter a um sítio onde não queres estar.

domingo, junho 21, 2009

Observo os seus olhares, a sua confiança e segurança, os sinais que trocam entre si. Percebo que estão combinados. Um deles baralha as cartas e distribui-as com habilidade. Olho para o meu jogo: nenhum ás, nenhum trunfo. Sei que vou perder se continuar. Decido apostar tudo.

Manual para bestas (2)

Os gatos são animais ágeis e sorrateiros que aproximam as garras dos teus olhos sem que te apercebas: deves afogá-los à nascença.

Os lobos surgem com o estrépito dos uivos da alcateia. Facilmente os detectas ao longe. Deves esperar que cresçam para os esfolar. As suas peles poderão ser úteis.

sexta-feira, junho 12, 2009

Sou como um assunto incómodo que ela vai constantemente adiando.

sexta-feira, maio 22, 2009

Uma estrela para ti

Para H

Estava no meu quarto, deitado sobre a cama, ainda acordado, a pensar no teu aniversário, sem ideias para o que te oferecer. Levantei-me, abri a janela, olhei para o céu e tive uma ideia...
Olhei em volta, para me certificar de que ninguém estava a ver, estiquei o braço e colhi uma estrela para te dar. Um deus não gostou; ficou zangado e logo enviou uns anjos ao meu encontro para que a devolvesse. Vesti-me rapidamente, antes que eles chegassem, coloquei a estrela no bolso das calças e saí a correr, em direcção a tua casa. Mas eles vieram atrás de mim; eram velozes e perseguiram-me por onde quer que eu tentasse fugir. Virei uma esquina, saltei o muro da primeira casa dessa rua e abaixei-me. Ouvi-os passar logo depois e a afastarem-se e, quando senti que estavam longe, voltei para trás. Abri o portão da garagem e meti-me no carro para ir mais rápido, até porque já estava cansado de correr. Mas eles não desistiram. Mal olhei pelo retrovisor, consegui identificá-los no carro que vinha atrás de mim a toda a velocidade. Carreguei no acelerador…
Porque se enfureceu esse deus? Terá sido assim tão grande o prejuízo de ter tirado uma estrela do céu onde, de certeza, ninguém dará pela sua falta? Aposto que nem ele deu pela falta dela! Mas como soube ele, então, que eu a tinha tirado dali? Será que me viu, apesar do meu cuidado em certificar-me de que não estava ninguém a olhar? Não, não creio que me tivesse visto. Um deus não iria gastar o seu tempo a observar os actos de simples seres humanos, como eu. Deve ter sido algum invejoso que me viu a agarrar a estrela e lhe foi fazer queixa. Sim, foi isso, de certeza!
Um cruzamento, ali à frente; o semáforo acabou de mudar para amarelo. De certeza que ainda consigo passar antes de ficar vermelho, e eles, que vêm atrás de mim, terão de parar e esperar que volte a ficar verde, e então conseguirei escapar-lhes. Acelero e… já passei! Ainda vi o semáforo a ficar vermelho. Mas… olho novamente pelo espelho e vejo que os meus perseguidores também passaram. Passaram o vermelho! Não se detêm por nada!
O carro deles é melhor do que o meu; o condutor é bastante hábil e o mais provável é que acabem por me alcançar em breve. Se me apanharem vão levar a estrela de volta e, além disso, a julgar pelo ar furioso das caras deles, pressinto que estarei em maus lençóis. O que me leva a pensar: será melhor parar, devolver a estrela e pedir desculpa pelo que fiz? Talvez fosse uma forma sensata de resolver esta situação. Mas, por outro lado, não acho que o que fiz seja assim tão grave que justifique voltar atrás e pedir desculpa. Afinal, as estrelas não pertencem a ninguém; estão ali, no céu, suspensas, simplesmente. Além de que essa decisão significaria desistir desta oportunidade de te dar uma prenda tão… tão original…, a prenda mais original que alguma vez alguém te poderia dar. E, além disso, duvido que as coisas ficassem por aí e que eles se fossem embora pacificamente, mesmo depois de terem aquilo que vieram buscar. Porque (agora ocorre-me) talvez a fúria desse deus não se deva ao meu acto de ter tirado a estrela do céu. Talvez a estrela não seja assim tão importante. Talvez haja outra razão. É possível que ele te tenha já visto e não lhe tenha agradado a minha intenção de ta oferecer, e agora queira ajustar contas comigo. Será que um deus também pode sentir ciúmes? Mas isto já sou eu a devanear (que ridículo!)… Tenho que me concentrar na condução…
Contorno mais uma rotunda, a terceira, quando se acende uma luz que me informa que o combustível está a entrar na reserva. Pelo espelho retrovisor, posso ver os anjos, imparáveis, e cada vez mais furiosos, ainda no meu encalço. Isto não está a melhorar, e pode ficar mais complicado em breve…
O sol começa a nascer; é quase manhã. Já não vejo a Lua (aliás, não me lembro de ter visto a Lua toda a noite). As luzes dos lampiões começam a desligar-se. Viro a esquina que dá para o teu bairro e… acaba-se o combustível! Saio do carro a correr; não estou longe de tua casa. Entro na tua rua que, para minha sorte, está com trânsito condicionado, por causa das obras, com acesso permitido apenas a moradores, o que obriga os meus perseguidores a sair também do carro e a continuar atrás de mim a correr. Chego à tua porta, toco à campainha; sei que a esta hora estás em casa; ainda não é hora de teres saído para o trabalho. Estás a demorar. Toco outra vez. Bato à porta com urgência. Eles aproximam-se perigosamente. Tu não vens. Volto a bater… Finalmente vens abrir, ainda em pijama, e eu precipito-me para dentro (não sem provocar em ti um pequeno grito de surpresa) e fecho a porta atrás de mim. Sento-me no sofá a recuperar o fôlego, enquanto tu falas em voz alta (e eu quase nem te ouço), provavelmente a perguntar-me porque é que eu entrei assim em tua casa, àquela hora. Olho pela janela e vejo-os lá fora, parados, a discutir. Talvez a decidir a melhor forma de entrar em tua casa. Levanto-me, perante o teu ar perplexo, levo a mão ao bolso para tirar a estrela e digo “Parabéns!”… mas… agora reparo… uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze… onze estrelas no teu pé esquerdo! Onze estrelas em espiral e uma lua no meio! Ficamos os dois calados alguns segundos. Tu à espera do que eu vou dizer a seguir e na expectativa de ver o que eu estava a tirar do bolso; eu a hesitar em tirar a estrela do bolso e à espera que me ocorra algo para te dizer. A campainha toca: são eles. Digo imediatamente: “Espera, não abras! É para mim. Estão à minha espera.” Tu continuas à espera. No teu rosto, um misto de curiosidade e de impaciência. E eu, finalmente, decido-me: “…passei aqui só para te deixar isto. Parabéns!” Tiro do bolso a estrela. Tu ficas fascinada, arrancas-me a estrela da mão, dás-me um beijo na testa, daqueles que me deixam corado e todo arrepiado, e sentas-te numa cadeira, com a estrela nas mãos, a contemplá-la. Eu tento dizer alguma coisa: “desculpa, queria dar-te alguma coisa original, aliás, pensei que ia ser original… mas… afinal, agora reparei… parece que antes de mim já alguém se lembrou… o teu pé esquerdo…”
Mas tu já não me ouvias, tão deslumbrada estavas com a estrela que te dei… a tua nova estrela… mais uma… a décima segunda. Fiquei um pouco triste de não ter sido o primeiro a pensar nisso. Paciência! A campainha voltava a tocar: eram eles. Senti que não havia maneira de escapar ao que me esperava. Mas, pelo menos, a minha missão estava cumprida, embora com um desfecho que eu não previra. “Bem, eu vou andando. Depois dou notícias” disse eu ao aproximar-me da porta para sair, quando reparei numa fotografia em cima do móvel, num passepartout que te dei num aniversário anterior. Ao teu lado, nessa fotografia, estava alguém que reconheci imediatamente: um deus! Aquele! Fiquei mais triste ainda, talvez com ciúmes, e acho que até mesmo zangado… A campainha tocou outra vez. “Tenho mesmo de ir, adeus”. Tu continuaste alheada, sem me ouvir, entretida com a tua nova estrela. Eu abri a porta e saí. Era altura de ajustar contas…

Maio de 2008
O espírito deseja, a carne cede.

Da nostalgia (1)

Deixou de tocar guitarra definitivamente, mas preservou as unhas.

terça-feira, maio 19, 2009

Naquele país as infracções à lei atingiram uma tal proporção que os tribunais deixaram de ter capacidade para dar saída aos processos que entravam cada vez em maior número e que se iam acumulando sem solução. Chegou-se ao ponto em que eram feitas sessões de julgamento colectivo de casos que nada tinham a ver uns com os outros e onde eram ditadas sentenças iguais para indivíduos que tinham cometido diferentes crimes. As actividades criminosas eram praticadas por gente de todas as classes sociais, desde o cidadão anónimo à mais proeminente das figuras públicas. Parecia que toda a população se dedicava a qualquer tipo de actividade ilegal, desde pequenos delitos à grande corrupção, todos tinham alguma mancha no seu registo criminal. Os próprios agentes e funcionários da lei e da justiça prendiam e julgavam num dia e eram presos e julgados no dia seguinte. Em pouco tempo as prisões ficaram sobrelotadas e parecia não haver maneira de arranjar solução para a multidão de condenados que aumentava de uma forma desmesurada a cada dia. Os governantes (que eram cada vez menos, uma vez que se sucediam também as suas detenções) perdiam horas e horas inúteis em reuniões donde não saíam senão resoluções ineficazes. Estavam, eles também, desorientados, cientes da sua incapacidade para lidar com a situação. Finalmente, o presidente, já em desespero, viu-se obrigado a tomar medidas extremas: ordenou a construção de grades sobre a linha da fronteira a toda a volta do país.

sexta-feira, maio 08, 2009

O amor acaba onde começa o mau hálito.

quinta-feira, maio 07, 2009

Filosofia barata (6)

Reformular a expressão “vive um dia de cada vez”: “vive meia hora de cada vez”.

sábado, abril 25, 2009

O louco ou a máscara

Duvidas que aquele homem seja realmente um louco. Aproxima-te dele e simula um gesto de agressão. Se tiver uma reacção defensiva, desmascaraste um fingidor.

Manual para bestas (1)

O homem de quem te queres vingar encontra-se naquela cidade. Não entres à sua procura. Cerca a cidade, envenena todos os rios que a atravessam, assalta todas as caravanas que a abastecem e liberta-as para seguirem o seu caminho quando todos os alimentos estiverem envenenados. Depois, espera pelo tempo seco e incendeia-a. Tens de ficar a observar à distância, de um local que permita ao teu olhar avistar todas as fronteiras da cidade, para te certificares de quem não escapa ninguém. Não podes falhar.
Uma revolução traz símbolos novos que substituem os anteriores mas que rapidamente são absorvidos por um sistema de mercado que os utiliza em seu proveito, até que já não sejam rentáveis. Chega então o momento de fazer uma outra revolução. As revoluções são boas para o mercado: refrescam-no, renovam-no, dão-lhe a dinâmica de que precisa para se manter vivo.
Uma revolução pode ser o pretexto de alguns para satisfazerem os seus instintos sanguinários.
Pode defeito meu, mas fico sempre desconfiado quando ouço falar de uniformização em democracia.
Para ela, um beijo tinha que conter uma significativa porção de ilusão (eu chamo-lhe “mentira”). Por isso, sentiu-se como que defraudada quando a beijei pela primeira vez; e nas vezes seguintes esse sentimento permaneceu. Nunca mo disse; eu adivinhei-o facilmente; já o tinha previsto, aliás. A sinceridade, por mais que esteja carregada de emoção, nunca pode ter êxito quando dirigida a alguém que persiste numa tentativa de alienação da realidade para entrar num mundo inexistente; um mundo encantado feito de sonhos e ilusões. Quanto a mim, continuo a preferir o mundo (e o amor) como ele é: desencantado, real, ambíguo, antinómico, assimétrico, inconstante, mas autêntico. Ou então, se calhar, como já alguém me tinha dito (ou acusado), sou eu que sou frio.

domingo, abril 19, 2009

Ela entregava-se de tal maneira às emoções que, no trânsito, quando lhe cediam prioridade, comovia-se até às lágrimas.

sábado, março 28, 2009

Iniciámos uma ligação afectiva por USB

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

6 coisas sobre mim

Respondendo ao desafio da Teresa aqui ficam 6 coisas sobre mim:

1. Consigo concluir apenas cerca de um décimo (provavelmente até muito menos) dos projectos (musicais, literários...) que inicio. Acho que sinto maior fascínio no acto de analisar do que no acto de criar.

2. Raramente acerto no tamanho quando compro roupa.

3. A comunicação fracassa com bastante frequência, mesmo quando falo na mesma língua.

4. Tenho o hábito de desenvolver estranhas estatísticas mentais (distribuição de vogais e consoantes nas palavras de uma frase, número de letras por sílaba, número de sílabas por palavra; ...).

5. Acordo quase sempre antes de o despertador tocar.

6. Aprecio muito a utilização do absurdo, da incompatibilidade, da incoerência propositada na arte.

sábado, fevereiro 14, 2009

Aproximámo-nos há anos atrás não pelo que somos agora, mas pelo que éramos na altura. Mudámos muito entretanto (mudámos tanto). Tornámo-nos pessoas diferentes. Tão diferentes que, nessa altura, nada do que sou hoje teria feito com que te aproximasses de mim e nada do que tu és hoje me teria feito aproximar de ti. Nada (ou quase nada) resta agora daquilo que nos atraiu um no outro. Aquilo que tu amavas, admiravas e ambicionavas em mim e aquilo que eu amava, admirava e ambicionava em ti. O tempo muda tudo, até as pessoas. O tempo trouxe-nos a mudança, mas mudou-nos de forma diferente, a mim e a ti. O tempo trouxe também a rotina e o hábito. E a rotina e o hábito tornaram possível que continuássemos juntos. Criou-se em cada um de nós uma espécie de tolerância à mudança individual que se foi realizando no outro e que, sem nos apercebermos, tornou-nos, aos poucos, incompatíveis.
Agora estamos um em frente do outro, parados, a tentar perceber o que é que nos impede de nos separarmos. A tentar perceber porque é que queremos manter uma ligação que já não faz sentido, porque é queremos persistir num jogo que foi dispensando a lógica, se tudo o que nos justificava desapareceu – não sobra qualquer rasto. O cansaço, a conformação, a necessidade afectiva e corporal, o medo do envelhecimento, da solidão, da doença?
Estamos parados, um em frente do outro, sem respostas. Sem resposta que nos esclareça porque é que já não perguntamos. E sabemos que vamos continuar a manter algo que julgamos já não carecer de justificação.
Óptimo local para passar o Dia de S. Valentim:
http://www.erosporto.com/

sábado, fevereiro 07, 2009

O último dos meus contactos no Messenger abandonou a sessão. São 6:21. Vou esperar um pouco que um dos outros acorde.

quarta-feira, dezembro 31, 2008

O balanço

Tal como acontecia todos os anos, no final do ano os economistas foram convocados para fazer o balanço. Chegaram em automóveis de luxo, vestidos com fatos escuros, formaram grupos de trabalho, reuniram-se em horas extraordinárias, analisaram, discutiram e elaboraram relatórios com centenas, milhares de páginas que apresentavam as mesmas conclusões e as mesmas soluções dos anos anteriores – este ano que acabava tinha sido um ano de crise e era necessário garantir que a crise não se prolongasse para o ano seguinte e, como tal, dever-se-ia proceder a cortes nas despesas. O novo presidente optou por não agir como os anteriores e tomou uma decisão diferente. Ordenou: – Despeçam os economistas!

sábado, dezembro 13, 2008

Como uma borracha

Apagar o que está escrito é apagar-me a mim mesmo

terça-feira, novembro 11, 2008

Preferes...

sentir-te bem na mentira do que estar mal na verdade?

domingo, novembro 09, 2008

Desculpa, mas...

...há dias em que não me apetece ser um depósito dos teus detritos emocionais.

quarta-feira, novembro 05, 2008

“Não te conformes com aquilo que não queres”

Um conselho bem intencionado, mas que não serve a ninguém. Não se aplica àqueles que podem escolher; não pode ser adoptado por aqueles que não têm outra escolha.

domingo, novembro 02, 2008

Conveniências

Causas colectivas que se transformam em causas pessoais.
Transformar causas pessoais em causas colectivas.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Nunca estivemos tão próximos como no instante que precede a separação.
Estará na altura de virar a página?

segunda-feira, outubro 20, 2008

O que me faz correr?

Para T

Não corro. Permaneço parado. A rotação do mundo leva-me a todo o lado.

domingo, outubro 05, 2008

A espera

R entrou e percorreu atentamente o interior com o olhar. Apenas duas mesas ocupadas. Numa, um velhote a ler o jornal, noutra, dois velhotes em silêncio, com os olhares fixados na televisão desligada. Não está aqui. No relógio, ao cimo da parede atrás do balcão, ainda faltavam 7 minutos. Voltou para fora, sentou-se a uma das mesas da esplanada, à sombra do guarda-sol. Veio o empregado:

– Boa tarde.
– Água com gás, por favor.

A tarde estava quente, bastante quente, quase sufocante. R demorou um pouco a acalmar. Estava ainda tenso, pois ficara retido no trânsito quando vinha a caminho, o que era inesperado àquela hora, naquela altura do ano (Agosto é sempre o mês em que a cidade se encontra quase vazia, pois uma grande parte do seus habitantes parte em férias e, devido ao facto de não haver aqui nada de significativo que possa funcionar como atracção turística, são poucos os visitantes nessa altura), e chegou a recear chegar atrasado. E o pior que lhe podia acontecer era chegar atrasado a este encontro, tal a importância que lhe atribuía. Por esse motivo, mal conseguiu sair daquela fila de trânsito em circulação lenta, acelerou um pouco mais do que era habitual em si, de forma a garantir a sua pontualidade. Felizmente, R tinha por hábito sair cedo de casa quando tinha algum compromisso, sempre bastante mais cedo do que precisava, o que fazia com que chegasse sempre antes da hora marcada. Não fora ter saído com a antecedência habitual e o imprevisto teria feito certamente com que chegasse atrasado. Olhou para o relógio: 4 minutos para a hora marcada.

A água já viera. R entornou no copo cerca de metade do conteúdo da garrafa e bebeu-o dum só gole. Entornou o resto e recostou-se. Ansiava já há algum tempo por este encontro. O fio de suor que deslizava pela sua testa até ficar retido na sobrancelha devia-se menos ao calor do que a essa ansiedade que não desaparecia, antes parecia aumentar. E o facto de ter chegado mais cedo não ajudava; uma espera torna-se sempre mais penosa quanto mais tempo dura, principalmente se não se tem nada para fazer entretanto. Precisava de arranjar alguma coisa para ajudar a passar aqueles poucos, mas tortuosos, minutos que faltavam para a hora marcada. Olhou para as outras mesas à procura de um jornal. Além de ajudar a passar o tempo, a leitura poderia ajudar R a acalmar e até a dar-lhe um ar de maior naturalidade no momento em que M chegasse. Mas o jornal estava a ser lido na única mesa que estava ocupada para além da sua.

Em volta, tudo estava tranquilo. Um início de tarde quase sem movimento em que o calor dilata os segundos num tempo quase suspenso e o rumor ambiente parece prolongar-se continuamente num bordão inaudível. Finalmente, e quase sem dar por isso, R acabou por ser embalado por essa serenidade que o rodeava. Bebeu mais um pouco de água. Estava agora mais calmo.

Apesar de o ar condicionado tornar o ambiente mais confortável no interior do que no exterior, onde estava um calor dificilmente suportável, R optara por ficar no exterior, prevendo que M poderia chegar e sentar-se logo na esplanada, sem ir lá dentro verificar se R estaria lá, evitando assim o incómodo de um deles ter de sair do sítio onde se tinha sentado para ir ter com o outro. Mas começa agora a questionar-se (algo em que não pensara no momento em que se sentou) se M, quando chegasse, não ficaria desagradada com essa escolha, devido ao calor intenso que estava aí fora, mesmo estando debaixo da sombra do guarda-sol.

Abstraído nessa preocupação, R quase nem se deu conta de que o movimento de clientes aumentara, tanto no interior como no exterior e que, em poucos minutos, quase todas as mesas da esplanada estavam ocupadas. Alguém de um grupo de pessoas que chegava naquele momento e se instalava na mesa ao lado pergunta-lhe se pode retirar a outra cadeira, ainda vazia, que estava na sua mesa. R responde que não, que está a reservar a cadeira para uma pessoa que estava prestes a chegar. E, logo de seguida, olha novamente para o relógio. Já passavam 2 minutos. Olha então para o relógio da torre da igreja mesmo em frente, do outro lado da rua, e confirma a hora. Está certa. M estava ligeiramente atrasada. Contudo, não devia demorar. Talvez tivesse ficado retida no trânsito no mesmo local onde R ficara há minutos atrás, ou então, um simples atraso que não carece de qualquer explicação, como é normal acontecer a quase toda a gente em alguma ocasião.

R tira o telemóvel do bolso das calças. Verifica que não há mensagens nem registo de qualquer chamada. Pousa então o telemóvel em cima da mesa. O tempo vai passando naquele calor e a espera começa a ficar maçadora. A ansiedade volta a crescer. R ora cruza os braços, ora os apoia sobre os braços da cadeira, ora pousa os cotovelos sobre a mesa, mas não consegue encontrar uma posição que não se torne incómoda logo passado alguns segundos. E as mãos… o que fazer com as mãos? Nestas alturas uma pessoa nunca sabe como há-de estar com as mãos. As mãos são sempre o que denuncia um estado de ansiedade e nervosismo. Olha para o cinzeiro em cima da mesa e pensa que se fumasse poderia puxar de um cigarro e, pelo menos, teria as mãos ocupadas por alguns momentos. Encontrava aí uma utilidade para um vício estúpido… O jornal… procura novamente o jornal, mas estava pousado na mesa das pessoas que lhe haviam pedido a cadeira e, apesar de não estar a ser utilizado, preferiu não o pedir, pois já sentira que as pessoas o tinham olhado várias vezes, reparando que a pessoa que ele dissera que estava prestes a chegar, 15 minutos depois ainda não aparecera, provavelmente desconfiadas de que R não deixou levar a cadeira por pura antipatia. Começava a ter a sensação de que a temperatura estava a aumentar. Ou seria a sua inquietação que crescia? Não encontrava nada que o ajudasse a acalmar e se M chegasse neste momento iria de certeza reparar no seu nervosismo. Quando M chegasse? Mas agora ocorre-lhe: e se M tivesse já chegado e estivesse no interior? Podia ter acontecido que M tivesse chegado ainda mais cedo do que R e se tivesse sentado no interior, e tivesse ido apenas à casa de banho no momento em que R chegou e foi ao interior verificar se M lá estaria, voltando para a mesa quando R já estava sentado na esplanada. Nesse caso M estaria lá dentro à espera também, provavelmente no mesmo estado de impaciência em que R se encontrava naquele momento.

De fora, o vidro não permitia visibilidade para o interior, mas de dentro via-se para a esplanada, a menos que M estivesse sentada na parte do interior em que o balcão não permite visibilidade para a parte do exterior em que R se encontrava. Ou então, como R estava virado para a rua, de costas para o interior, poderia acontecer que estivesse dentro do campo de visão M, mas sem que esta o reconhecesse. Prevendo essa hipótese, R vai voltando o rosto para trás de vez em quando, havendo assim uma possibilidade de, num desses momentos, M reparar que R está no exterior. Até que, não suportando mais essa incerteza, R levanta-se e dirige-se à casa de banho, como pretexto para olhar o interior e confirmar que M não estava lá.

Regressa e senta-se na mesma cadeira, mais descontraído. Pega no telemóvel com intenção de telefonar, mas logo se detém, pensando que isso iria denunciar a ansiedade que ele não queria deixar transparecer a M. Decide esperar mais um pouco. Afinal, ainda não passara assim tanto tempo. Já esperara bem mais, no passado, por outras pessoas, noutros encontros. Mas subitamente surge-lhe o pensamento de que M poderia ter chegado no espaço de tempo em que ele foi lá dentro e que, não o vendo em lado nenhum, e tendo em conta o tempo que já passara desde a hora marcada – 22 minutos – tivesse pensado que ele se fartara de esperar e tivesse ido embora, ou até que não aparecera, tendo então ela própria decidido ir embora de imediato. R agarra novamente o telemóvel, disposto a desfazer o possível mal-entendido, mas novamente hesita, receando ser inconveniente, pois não quer que M pense que ele está de qualquer forma a pressioná-la. Afinal, um atraso é uma coisa que pode acontecer a qualquer pessoa, e 28 minutos é um tempo de espera ainda dentro dos limites do aceitável. Além disso, como era a primeira vez que tinha um encontro com M, não sabia se ela era habitualmente pontual ou se costumava atrasar-se e, se fosse este o caso, se era habitual atrasar-se muito ou pouco tempo. Bebe o resto da água e decide esperar mais algum tempo.

A espera vai-se prolongando e R não consegue evitar olhar para o relógio com uma frequência cada vez maior. Começa então a pensar na possibilidade de M já não vir ao seu encontro e nas suas possíveis razões: podia ser que tivesse feito confusão com a hora marcada; ou algum imprevisto, algum problema de última hora que tenha a impedido de vir ao encontro que combinara com R, sem ter tido oportunidade de avisar; talvez se tivesse esquecido, talvez aquele encontro não fosse tão importante para si como era para R; podia ser também que não comparecesse por simplesmente não querer; talvez algum acontecimento anterior, ou algo que R tenha dito não lhe tenha agradado e tenha feito com que M não quisesse afinal vir ao seu encontro...

À medida que se vai perdendo com tudo isto na mente, um misto de impaciência e apreensão apodera-se de si. Leva o copo à boca esquecendo-se de que já não tinha água. Não consegue ficar parado durante 3 segundos numa mesma posição. Olha incessantemente para o relógio. Tem a impressão que há pessoas em volta que já estão a reparar há algum tempo no estado de agitação que começa a ter dificuldades para disfarçar. R atingiu o seu limite de tolerância e, agora, 40 minutos após a hora marcada, decide-se finalmente a telefonar. Agarra o telemóvel, procura o número de M na lista de contactos e pressiona o botão de chamada. Espera enquanto o toque soa várias vezes. O toque cessa. No visor do telemóvel aparece “não atende”. Logo de seguida repete a chamada. M não atende. R tenta novamente várias vezes, mas sempre em vão, sempre a mesma mensagem no visor: “não atente”. Será que M não ouviu o telemóvel? Será que não pode atender? Será que não atende por entender que o seu atraso não é assim tão grande que justifique que R esteja já a tentar telefonar-lhe? Será que não atende por achar que R já devia ter telefonado antes, preocupado em saber se teria acontecido algo grave, vendo aí uma atitude de desconsideração da sua parte? R queda-se por tempo indeterminado, com o pensamento vazio, sem saber o que fazer… esperar mais algum tempo, mesmo que em vão? E até quando? Ir embora, mesmo que M possa ainda vir?

– Olá! Cheguei, finalmente. Desculpa o atraso. Obrigado por teres esperado. – R olha imediatamente ao ouvir uma voz, sem sequer notar que essa voz era completamente diferente da voz de M, tal era o seu estado de ansiedade naquele momento. Pelo menos, bastante diferente daquilo que a sua memória conservava como a voz de M, pois há muito tempo que a não ouvia e, ainda por cima, todas as vezes que falaram foi por telefone; e sabe-se que a voz ao telefone adquire sempre características tímbricas diferentes. E mesmo se fosse M que chegasse, R não teria maneira de saber se era realmente ela, pois nunca a vira antes. A confusão apodera-se de tal maneira de si, que R começa até a duvidar se alguma vez marcou este encontro com M, ou se apenas ficou com essa sensação. Aliás, já não tem a certeza de alguma vez ter falado realmente com M ou se apenas o imaginou, pois já não se recorda exactamente quando nem em que circunstâncias. E, nesse caso, não teria maneira de saber se a voz daquela pessoa que acabara de chegar era igual, parecida ou completamente diferente da voz de M.

É então que R tira uma nota da carteira e deixa-a sobre a mesa, presa por baixo do copo, para evitar que seja levada pelo vento que se começa a fazer sentir. Não espera pelo troco. Levanta-se, veste o sobretudo, coloca o gorro na cabeça e caminha por entre as árvores despidas, calcando o tapete de folhas caídas; através do fumo dos assadores de castanhas, com as folhas de jornais que voam baixo e lhe batem nas pernas; baixa a cabeça para proteger o rosto das frias gotas de chuva que vão caindo com cada vez mais intensidade e acelera o passo, tentando desviar-se das poças de água. Já afastado, tem a impressão momentânea de ter ouvido chamar o seu nome longinquamente. Mas não se volta e segue em direcção a um Inverno que prevê longo e rigoroso…

sexta-feira, setembro 12, 2008

Something to believe in

Well the mirror tells a different story
Than the one that’s playing in my mind
Every time I swear I’m looking younger
The more lines that I find
I guess I learned to trade youth for wisdom
And lust in for romance
It’s all written in the stages and phases
Of life’s little dance
But when I want to bitch about growing old
I think how many never had a chance…

"Something to believe in (#2)"
Poison

sábado, agosto 23, 2008

terça-feira, julho 29, 2008

Desprezo e orgulho

Para A
(com orgulho)

Desprezo e orgulho são duas coisas que, quando se encontram, dão mau resultado; seja qual for a origem de ambos (necessidade de afirmação, necessidade de fortalecer a autoconfiança, defesa, carência, mera estupidez…).
Nada mais normal do que desprezar alguém de quem nunca gostámos, alguém que nos repugna, quer existam ou não razões para esse sentimento; em relação a isto, nada a dizer.
Mas há muito a dizer quando se despreza alguém que se estima (ou se diz que se estima). Isso pode acontecer, por exemplo, porque se sabe à partida (ou, pelo menos, se julga, pensando que se conhece a outra pessoa suficientemente bem), que essa pessoa é suficientemente paciente para tolerar o desprezo que lhe é dirigido, pois prefere evitar o conflito e tentar manter a relação saudável. Torna-se então quase um vício incontrolável, um comportamento irrefreável, lançar um olhar, uma palavra, uma sílaba de troça e de desprezo para cada gesto, para cada palavra, para cada acção dessa pessoa; antes de se pensar, já se lhe está a dirigir uma atitude de desprezo, quer o acto dessa pessoa o justifique ou não (isso não importa). Até que, chegando a um certo limite de tolerância, o desprezo leva uma resposta desagradavelmente imprevista (e que, geralmente, só peca por tardia). E, por muito que se reconheça e se tente remediar o erro, agora será o orgulho da outra pessoa que impedirá a reconciliação e a manutenção de uma relação saudável; orgulho (mais do que justo) gerado por uma ferida e que prefere manter aberta essa ferida, ainda que sofra com isso, do que curá-la e abdicar de si próprio.

segunda-feira, julho 28, 2008

Caridade: uma forma de perpetuar a distância entre nós e eles.

sábado, junho 28, 2008

Recitais AMIP




Isto é Verão...

Fazer nudismo na praia e ter pedacinhos de papel higiénico agarrados aos pêlos do cu.

quinta-feira, junho 26, 2008

Para H

Uma vez uma bruxa ensinou-me uma fórmula para transformar tijolo em ouro e uma reza para não envelhecer. E disse-me: “cuidado com o que desejas, pois pode concretizar-se”. Não arrisquei (como, de resto, procedo quase sempre). Nunca saberei como seria se o tivesse feito. Não me arrependo nem deixo de estar arrependido. O saber tem sempre, pelo menos, duas faces. A satisfação de uma curiosidade traz sempre anexada uma tragédia cuja dimensão desconhecemos. Uma revelação não se circunscreve a um momento. As suas consequências estendem-se para além desse momento inicial sem que possamos prevê-las antes que seja tarde demais para reverter o seu curso.

sexta-feira, maio 30, 2008

Palavrescos

Como se criam monstrinhos literários. Aqui.

sexta-feira, maio 23, 2008

Type O Negative - Christian Woman

Porque será que me lembrei disto?

quarta-feira, maio 21, 2008

- Posso beijar-te?
- Não.
- Porquê?
- Nunca se pede autorização.

sexta-feira, maio 09, 2008

A Democracia tem sido utilizada como uma anestesia: uma forma menos dolorosa de manipular o povo.

sexta-feira, maio 02, 2008

Joe Satriani

Ontem, no Coliseu do Porto.
O mestre continua a impressionar.

sábado, abril 12, 2008

Factos e argumentos

Quando os factos não são a favor, usam-se argumentos. E não raras vezes estes vencem aqueles.

sábado, março 01, 2008

A hegemonia absoluta da Imagem conduziu, em linha recta, ao ódio estigmatizado a toda a inteligência discursiva. Odeia-se a História como se odeia a Literatura; a Matemática como as Ciências e as Artes. Em suma, odeia-se qualquer acto intelectual que exija reflexão… Na Escola de hoje, qualquer processo didáctico que se preze não pode dispensar a Imagem, os meios visuais… os esquemas e os gráficos, o mais visuais possível. Discorrer, pôr a inteligência a funcionar, na leitura ou na audição, sobre um texto ou um discurso relativamente longos, já não são mais do que o eco de uma voz que clama no deserto!... Os jovens falam por slogans, motes, frases-chave (que são feitas por outrem); perdeu-se a capacidade de articulação discursiva original, a inteligência e o espírito crítico…

"Linguagem/Poesia/Música", Manuel Reis
O horror económico é quase fazer as pessoas pensar que para estarem vivas têm de merecê-lo… é esta grave confusão entre "utilidade" e "rentabilidade" …

"L´Horreur Économique"; Viviane Forrester

domingo, fevereiro 24, 2008

… a eterna desmistificação e demolição de todo o Poder estabelecido!... Para que as democracias representativas, colocadas no Poder por sufrágio maioritário dito universal, não continuem a ser, afinal, a maneira sofisticada e politicamente admissível de governar em ditadura!

"Linguagem/Poesia/Música", Manuel Reis

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Dia de S. Valentim
Acabei de me cruzar no caminho de um gato preto

domingo, janeiro 20, 2008

Vou sair

apagar as estrelas e beijar a Lua

Quando o mais fraco lidera...

Passam hoje 2 anos


David Hellman (a.k.a. Dave Lepard)
(1980-2006)

Rest In Sleaze

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Rumo ao Sul – Primeira página de um romance abortado

Sábado, 12 de Junho de 1999

...o comboio partiu em direcção ao Sul e mergulhou no nevoeiro que enche a manhã – denso, quase impenetrável. Rompe os ventos e avança por entre paisagens de séculos – intactas, permanentes, esquecidas... F. não veio para a despedida...

No interior da carruagem prevalece o silêncio entre desconhecidos, lado a lado, violado apenas pelo som tumultuoso do movimento do comboio, que enche o vácuo entre nós... e os nossos ouvidos indiferentes. Respira-se um cruzamento dos odores de histórias passadas, guardadas em sigilo, e dos destinos recônditos, aguardados passivamente por cada um de nós. Em cada estação repetem-se os rituais: a tristeza de uma despedida, a alegria de um reencontro, uma partida em direcção à incerteza ou um regresso a casa há muito desejado. E depois, novamente, o silêncio. Silêncio carregado de saudade e de ansiedade... ou de indiferença.

Lá fora os raios de Sol quebram lentamente os céus e trespassam o nevoeiro agora débil, invadindo todo o espaço envolvente como uma teia de luz, de sublime textura branca, opaca e ofuscante. A poderosa máquina metálica continua imponente por entre estas terras sem dono… sem nome. Do solo virgem erguem-se, sólidas, as montanhas, habitadas por deuses antigos que descansam agora em segredo. Deuses hoje esquecidos, outrora elevados à magnificência pela excêntrica demência dos feiticeiros extintos. Revelam-se agora apenas no olhar inerte dos seus descendentes, que desconhecem em si o rasto da sua presença e os apagaram da sua memória. E esta janela, esta simples janela, é a barreira intransponível que me separa de todo esse esplendor. Impede-me de sentir, de ser parte desse mundo primordial, puro, absoluto, que apenas posso observar com estes meus olhos vazios, desprovidos do seu frémito original.

Olhos cansados, cedem por alguns instantes ao efémero sonho de nada que me corta a vigília... leva-me agora para além desta janela, numa flutuação confusa por entre imagens pouco nítidas, sem sentido. Onde estou?... Volto a acordar e olho mais uma vez pela janela. O comboio começa a parar. A estação final. Os últimos passageiros tomam os seus haveres e preparam-se para sair. Levanto-me.

Para onde vou, neste lugar desconhecido? O futuro recusa-se a desvendar os seus segredos neste último dia do meu passado. E recordo... recordo ainda o silêncio, as paisagens, o sonho... F. não veio para a despedida.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Uma relação esquizofrénica (3)

Tu nunca me ouves e eu nunca me lembro do que tu me dizes. E mesmo assim, sempre que nos chateamos é por causa do que dizemos um ao outro.

Uma relação esquizofrénica (2)

Agora quase nunca tenho vontade de estar contigo e tu quase nunca tens vontade de estar comigo. E quando queremos estar um com o outro é só para nos atacarmos, vingar ressentimentos.

Uma relação esquizofrénica

Temos uma relação esquizofrénica. Podia dar certo. Mas no nosso caso não funciona. É como se fossem quatro pessoas, mas os pares certos nunca se encontram.

A fase de Kafka

Numa conversa acerca de gostos literários referi que Kafka é um dos escritores de que mais gosto, ao que a outra pessoa retorquiu: “Kafka? Já passei essa fase!” Confesso que fiquei baralhado. Mas como é que, nos dias de hoje e no contexto social em que nos encontramos, Kafka pode ser uma fase que passa? Nunca como hoje a literatura de Kafka foi tão actual, pois nunca como hoje a sociedade esteve tão obcecada em adoptar os comportamentos absurdos que a sua literatura descreve. O absurdo que Kafka utilizou para fazer boa literatura tem vindo a transformar-se num absurdo real, tem vindo a tornar-se cada vez mais no rumo que a nossa sociedade teima em seguir como se fosse uma fatalidade. E só quando comecei a escrever este texto percebi como se passa a fase da literatura de Kafka para entrar numa outra fase: aquela em que a literatura de Kafka passa para o real e se mistura com o quotidiano pessoal e social. E isso significa que esquecemos a sua lição. A lição de Kafka consistiu em mostrar-nos aquilo que deveríamos evitar e nós, ao invés, fazemos disso o nosso modelo social. A fase de Kafka está longe de passar.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Ausente

Estás online mas o teu estado diz "ausente"; e uma ausência é apenas a memória de uma presença.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Portugal em 2007

Balanço de final de ano:

O que se pode dizer de um país onde "obrar" é sinónimo de "cagar"?

sábado, dezembro 08, 2007


Karlheinz Stockhausen
(1928-2007)

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Filosofia barata (5)

O pior que pode acontecer a um sonhador é ver os seus sonhos concretizados.

sexta-feira, novembro 30, 2007

Está assim a nossa relação

Querido diário...

Dia 1:
Hoje sinto-me uma caderneta: só cromos à minha volta

Dia 2:
Hoje sinto-me uma merda: só moscas à minha volta

quarta-feira, novembro 28, 2007

Filosofia barata (4)

Não há nada pior do que a verdade quando utilizada como uma arma

domingo, novembro 25, 2007

Uma questão de desportivismo

Um dos maiores males do ser humano: ver um adversário como um inimigo.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Senhor professor...

...mentalize-se disto: a sua função já não é ensinar, mas sim contribuir para as estatísticas.

sábado, novembro 10, 2007

Se o amor é um jogo, eu passei a vida a fazer bluff.

Filosofia barata (3)

Não sei que é o autor:

"Uns têm carências afectivas, outros têm falta de carências afectivas."