domingo, janeiro 24, 2010

O Senhor R

«O Senhor Valéry era pequenino, mas dava muitos saltos. Ele explicava: Sou igual às pessoas altas só que por menos tempo.»

Gonçalo M. Tavares


O Senhor R, pelo contrário, era bastante alto. Tão alto que se tornava difícil para ele manter-se em contacto com o mundo, o que o levava a estar sempre demasiado absorvido em si próprio, nos seus próprios pensamentos. Nos momentos em que se apercebia do seu alheamento, o Senhor R sentia não estar a usufruir das coisas que o mundo tem para oferecer, o que o levava frequentemente a cair em estados de tristeza que geralmente duravam longos períodos de tempo, durante os quais se resignava com a ideia de que nunca iria conseguir aproximar-se do mundo.
Um dia, o Senhor R observou os pequenos movimentos alternadamente ascendentes e descendentes do Senhor Valéry e interessou-se pela solução que este seu amigo idealizou para resolver o seu problema, pensando imediatamente que poderia estar perante a resposta para o seu próprio problema. Mais animado, o Senhor R experimentou saltar, exactamente como o Senhor Valéry; mas isso só o fez afastar-se ainda mais das coisas concretas.
– Nem poderia ter sido outro o resultado, – concluiu imediatamente o Senhor R, – dado serem problemas exactamente inversos.
Então o Senhor R pensou num salto ao contrário, ou seja, um salto para baixo, na direcção oposta aos saltos do Senhor Valéry; um salto que o colocasse perto das coisas concretas, mesmo que fosse apenas temporariamente. Mas um novo problema surgia: enquanto o salto para cima era facilmente concretizável a partir de um impulso apoiado no que está em baixo, algo sólido, como o chão, o salto para baixo parecia impraticável pois implicaria um impulso apoiado no que está em cima, ou seja, no ar. E o ar não tem a solidez necessária para isso, como descobriu o Senhor R enquanto procurava no ar uma zona de apoio que lhe permitisse apoiar o impulso para saltar para baixo.
Frustrado, o Senhor R começava a entrar novamente no seu habitual estado de tristeza. Até que, cansado, deixou-se cair. E, sem querer, conseguiu alcançar o seu objectivo de se aproximar do mundo.
Agora, prostrado no chão, poderia ficar satisfeito por finalmente ter conseguido o que ansiava há tanto tempo. Mas deixar-se cair não é um salto, é uma queda. E uma queda não é uma coisa temporária como um salto, mas definitiva. E o chão não é o mundo, é apenas o chão do mundo.