terça-feira, junho 26, 2007

As preocupações de R

Dia após dia, sempre à mesma hora, R percorre o mesmo caminho. Não se trata de uma rotina pessoal, ou de um hábito adquirido ou de qualquer espécie de ritual. Fá-lo na esperança de encontrar algo que perdeu. Lentamente, passo a passo, de olhos para o chão, totalmente concentrado na sua tarefa, examina atentamente cada centímetro desse caminho. Sabe que foi algures nesse caminho que perdeu, mas não se apercebeu exactamente onde nem quando. Poderia desistir e substituir facilmente aquilo que perdeu. Essa seria, aliás, uma solução mais confortável para si. Mas não lhe agrada pensar em desistir e dar como irremediavelmente perdido algo que quer recuperar. Por vezes, ocorre-lhe que não é o único a passar naquele caminho e que aquilo que perdeu pode já ter sido encontrado e levado por outra pessoa e, assim, não se encontrar já nesse caminho. A confirmar-se esta hipótese, a sua busca seria uma perda de tempo completamente inútil. Mas, por outro lado, não acredita que aquilo que perdeu, algo tão pessoal, tão “seu”, possa ter qualquer utilidade ou valor para outra pessoa. E continua, à procura, na esperança de que ainda lá esteja, algures nesse caminho. Há ocasiões em que, cansado, R pára durante alguns instantes, com a cabeça erguida, os olhos fechados e os raios de sol que lhe aquecem o rosto. É nesses momentos que se sente tentado a pensar que provavelmente já nem sabe sequer o que é que perdeu. Além disso, é também nesses momentos que deixa de ter certeza de que perdeu realmente alguma coisa. Mas não o abandona a forte sensação de que perdeu alguma coisa algures naquele caminho; o que faz com que insista na sua procura. E todos os dias, àquela hora, R volta a percorrer o mesmo caminho, lentamente, passo a passo, o olhar pregado no chão, alheado do que se passa à sua volta, concentrado apenas em examinar cada centímetro do caminho.

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