domingo, janeiro 20, 2008

Vou sair

apagar as estrelas e beijar a Lua

Quando o mais fraco lidera...

Passam hoje 2 anos


David Hellman (a.k.a. Dave Lepard)
(1980-2006)

Rest In Sleaze

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Rumo ao Sul – Primeira página de um romance abortado

Sábado, 12 de Junho de 1999

...o comboio partiu em direcção ao Sul e mergulhou no nevoeiro que enche a manhã – denso, quase impenetrável. Rompe os ventos e avança por entre paisagens de séculos – intactas, permanentes, esquecidas... F. não veio para a despedida...

No interior da carruagem prevalece o silêncio entre desconhecidos, lado a lado, violado apenas pelo som tumultuoso do movimento do comboio, que enche o vácuo entre nós... e os nossos ouvidos indiferentes. Respira-se um cruzamento dos odores de histórias passadas, guardadas em sigilo, e dos destinos recônditos, aguardados passivamente por cada um de nós. Em cada estação repetem-se os rituais: a tristeza de uma despedida, a alegria de um reencontro, uma partida em direcção à incerteza ou um regresso a casa há muito desejado. E depois, novamente, o silêncio. Silêncio carregado de saudade e de ansiedade... ou de indiferença.

Lá fora os raios de Sol quebram lentamente os céus e trespassam o nevoeiro agora débil, invadindo todo o espaço envolvente como uma teia de luz, de sublime textura branca, opaca e ofuscante. A poderosa máquina metálica continua imponente por entre estas terras sem dono… sem nome. Do solo virgem erguem-se, sólidas, as montanhas, habitadas por deuses antigos que descansam agora em segredo. Deuses hoje esquecidos, outrora elevados à magnificência pela excêntrica demência dos feiticeiros extintos. Revelam-se agora apenas no olhar inerte dos seus descendentes, que desconhecem em si o rasto da sua presença e os apagaram da sua memória. E esta janela, esta simples janela, é a barreira intransponível que me separa de todo esse esplendor. Impede-me de sentir, de ser parte desse mundo primordial, puro, absoluto, que apenas posso observar com estes meus olhos vazios, desprovidos do seu frémito original.

Olhos cansados, cedem por alguns instantes ao efémero sonho de nada que me corta a vigília... leva-me agora para além desta janela, numa flutuação confusa por entre imagens pouco nítidas, sem sentido. Onde estou?... Volto a acordar e olho mais uma vez pela janela. O comboio começa a parar. A estação final. Os últimos passageiros tomam os seus haveres e preparam-se para sair. Levanto-me.

Para onde vou, neste lugar desconhecido? O futuro recusa-se a desvendar os seus segredos neste último dia do meu passado. E recordo... recordo ainda o silêncio, as paisagens, o sonho... F. não veio para a despedida.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Uma relação esquizofrénica (3)

Tu nunca me ouves e eu nunca me lembro do que tu me dizes. E mesmo assim, sempre que nos chateamos é por causa do que dizemos um ao outro.

Uma relação esquizofrénica (2)

Agora quase nunca tenho vontade de estar contigo e tu quase nunca tens vontade de estar comigo. E quando queremos estar um com o outro é só para nos atacarmos, vingar ressentimentos.

Uma relação esquizofrénica

Temos uma relação esquizofrénica. Podia dar certo. Mas no nosso caso não funciona. É como se fossem quatro pessoas, mas os pares certos nunca se encontram.

A fase de Kafka

Numa conversa acerca de gostos literários referi que Kafka é um dos escritores de que mais gosto, ao que a outra pessoa retorquiu: “Kafka? Já passei essa fase!” Confesso que fiquei baralhado. Mas como é que, nos dias de hoje e no contexto social em que nos encontramos, Kafka pode ser uma fase que passa? Nunca como hoje a literatura de Kafka foi tão actual, pois nunca como hoje a sociedade esteve tão obcecada em adoptar os comportamentos absurdos que a sua literatura descreve. O absurdo que Kafka utilizou para fazer boa literatura tem vindo a transformar-se num absurdo real, tem vindo a tornar-se cada vez mais no rumo que a nossa sociedade teima em seguir como se fosse uma fatalidade. E só quando comecei a escrever este texto percebi como se passa a fase da literatura de Kafka para entrar numa outra fase: aquela em que a literatura de Kafka passa para o real e se mistura com o quotidiano pessoal e social. E isso significa que esquecemos a sua lição. A lição de Kafka consistiu em mostrar-nos aquilo que deveríamos evitar e nós, ao invés, fazemos disso o nosso modelo social. A fase de Kafka está longe de passar.

terça-feira, janeiro 01, 2008

Ausente

Estás online mas o teu estado diz "ausente"; e uma ausência é apenas a memória de uma presença.