sexta-feira, maio 22, 2009

Uma estrela para ti

Para H

Estava no meu quarto, deitado sobre a cama, ainda acordado, a pensar no teu aniversário, sem ideias para o que te oferecer. Levantei-me, abri a janela, olhei para o céu e tive uma ideia...
Olhei em volta, para me certificar de que ninguém estava a ver, estiquei o braço e colhi uma estrela para te dar. Um deus não gostou; ficou zangado e logo enviou uns anjos ao meu encontro para que a devolvesse. Vesti-me rapidamente, antes que eles chegassem, coloquei a estrela no bolso das calças e saí a correr, em direcção a tua casa. Mas eles vieram atrás de mim; eram velozes e perseguiram-me por onde quer que eu tentasse fugir. Virei uma esquina, saltei o muro da primeira casa dessa rua e abaixei-me. Ouvi-os passar logo depois e a afastarem-se e, quando senti que estavam longe, voltei para trás. Abri o portão da garagem e meti-me no carro para ir mais rápido, até porque já estava cansado de correr. Mas eles não desistiram. Mal olhei pelo retrovisor, consegui identificá-los no carro que vinha atrás de mim a toda a velocidade. Carreguei no acelerador…
Porque se enfureceu esse deus? Terá sido assim tão grande o prejuízo de ter tirado uma estrela do céu onde, de certeza, ninguém dará pela sua falta? Aposto que nem ele deu pela falta dela! Mas como soube ele, então, que eu a tinha tirado dali? Será que me viu, apesar do meu cuidado em certificar-me de que não estava ninguém a olhar? Não, não creio que me tivesse visto. Um deus não iria gastar o seu tempo a observar os actos de simples seres humanos, como eu. Deve ter sido algum invejoso que me viu a agarrar a estrela e lhe foi fazer queixa. Sim, foi isso, de certeza!
Um cruzamento, ali à frente; o semáforo acabou de mudar para amarelo. De certeza que ainda consigo passar antes de ficar vermelho, e eles, que vêm atrás de mim, terão de parar e esperar que volte a ficar verde, e então conseguirei escapar-lhes. Acelero e… já passei! Ainda vi o semáforo a ficar vermelho. Mas… olho novamente pelo espelho e vejo que os meus perseguidores também passaram. Passaram o vermelho! Não se detêm por nada!
O carro deles é melhor do que o meu; o condutor é bastante hábil e o mais provável é que acabem por me alcançar em breve. Se me apanharem vão levar a estrela de volta e, além disso, a julgar pelo ar furioso das caras deles, pressinto que estarei em maus lençóis. O que me leva a pensar: será melhor parar, devolver a estrela e pedir desculpa pelo que fiz? Talvez fosse uma forma sensata de resolver esta situação. Mas, por outro lado, não acho que o que fiz seja assim tão grave que justifique voltar atrás e pedir desculpa. Afinal, as estrelas não pertencem a ninguém; estão ali, no céu, suspensas, simplesmente. Além de que essa decisão significaria desistir desta oportunidade de te dar uma prenda tão… tão original…, a prenda mais original que alguma vez alguém te poderia dar. E, além disso, duvido que as coisas ficassem por aí e que eles se fossem embora pacificamente, mesmo depois de terem aquilo que vieram buscar. Porque (agora ocorre-me) talvez a fúria desse deus não se deva ao meu acto de ter tirado a estrela do céu. Talvez a estrela não seja assim tão importante. Talvez haja outra razão. É possível que ele te tenha já visto e não lhe tenha agradado a minha intenção de ta oferecer, e agora queira ajustar contas comigo. Será que um deus também pode sentir ciúmes? Mas isto já sou eu a devanear (que ridículo!)… Tenho que me concentrar na condução…
Contorno mais uma rotunda, a terceira, quando se acende uma luz que me informa que o combustível está a entrar na reserva. Pelo espelho retrovisor, posso ver os anjos, imparáveis, e cada vez mais furiosos, ainda no meu encalço. Isto não está a melhorar, e pode ficar mais complicado em breve…
O sol começa a nascer; é quase manhã. Já não vejo a Lua (aliás, não me lembro de ter visto a Lua toda a noite). As luzes dos lampiões começam a desligar-se. Viro a esquina que dá para o teu bairro e… acaba-se o combustível! Saio do carro a correr; não estou longe de tua casa. Entro na tua rua que, para minha sorte, está com trânsito condicionado, por causa das obras, com acesso permitido apenas a moradores, o que obriga os meus perseguidores a sair também do carro e a continuar atrás de mim a correr. Chego à tua porta, toco à campainha; sei que a esta hora estás em casa; ainda não é hora de teres saído para o trabalho. Estás a demorar. Toco outra vez. Bato à porta com urgência. Eles aproximam-se perigosamente. Tu não vens. Volto a bater… Finalmente vens abrir, ainda em pijama, e eu precipito-me para dentro (não sem provocar em ti um pequeno grito de surpresa) e fecho a porta atrás de mim. Sento-me no sofá a recuperar o fôlego, enquanto tu falas em voz alta (e eu quase nem te ouço), provavelmente a perguntar-me porque é que eu entrei assim em tua casa, àquela hora. Olho pela janela e vejo-os lá fora, parados, a discutir. Talvez a decidir a melhor forma de entrar em tua casa. Levanto-me, perante o teu ar perplexo, levo a mão ao bolso para tirar a estrela e digo “Parabéns!”… mas… agora reparo… uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze… onze estrelas no teu pé esquerdo! Onze estrelas em espiral e uma lua no meio! Ficamos os dois calados alguns segundos. Tu à espera do que eu vou dizer a seguir e na expectativa de ver o que eu estava a tirar do bolso; eu a hesitar em tirar a estrela do bolso e à espera que me ocorra algo para te dizer. A campainha toca: são eles. Digo imediatamente: “Espera, não abras! É para mim. Estão à minha espera.” Tu continuas à espera. No teu rosto, um misto de curiosidade e de impaciência. E eu, finalmente, decido-me: “…passei aqui só para te deixar isto. Parabéns!” Tiro do bolso a estrela. Tu ficas fascinada, arrancas-me a estrela da mão, dás-me um beijo na testa, daqueles que me deixam corado e todo arrepiado, e sentas-te numa cadeira, com a estrela nas mãos, a contemplá-la. Eu tento dizer alguma coisa: “desculpa, queria dar-te alguma coisa original, aliás, pensei que ia ser original… mas… afinal, agora reparei… parece que antes de mim já alguém se lembrou… o teu pé esquerdo…”
Mas tu já não me ouvias, tão deslumbrada estavas com a estrela que te dei… a tua nova estrela… mais uma… a décima segunda. Fiquei um pouco triste de não ter sido o primeiro a pensar nisso. Paciência! A campainha voltava a tocar: eram eles. Senti que não havia maneira de escapar ao que me esperava. Mas, pelo menos, a minha missão estava cumprida, embora com um desfecho que eu não previra. “Bem, eu vou andando. Depois dou notícias” disse eu ao aproximar-me da porta para sair, quando reparei numa fotografia em cima do móvel, num passepartout que te dei num aniversário anterior. Ao teu lado, nessa fotografia, estava alguém que reconheci imediatamente: um deus! Aquele! Fiquei mais triste ainda, talvez com ciúmes, e acho que até mesmo zangado… A campainha tocou outra vez. “Tenho mesmo de ir, adeus”. Tu continuaste alheada, sem me ouvir, entretida com a tua nova estrela. Eu abri a porta e saí. Era altura de ajustar contas…

Maio de 2008

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